Racismo, xenofobia, negócios e moralismo são as raízes da atual conjuntura proibicionista.
As drogas – que sempre fizeram parte da cultura humana – foram dividias em lícitas e ilícitas por motivos arbitrários e políticos. A problematização da proibição e a tentativa de encontrar soluções são vitais para a superação dessa utopia punitiva.
A PRODUÇÃO DE CRIMINOSOS
Muitos crimonosos foram fruto da proibição: produtores, negociantes e consumidores de drogas lançados na ilegalidade. A utopia proibicionista apostou que, combinando leis punitivas com repressão policial, eliminaria hábitos relacionados a drogas que eram, muitas vezes, seculares. Não conseguiu. Ao contrário, abriu um campo de ilegalidade que apenas cresceu nas décadas da vigência da proibição. Há alguns anos, foi veiculada no Brasil uma campanha que acusava o usuário de financiar o tráfico. No entanto, o consumo de psicoativos existia antes da proibição e continuou sob ela, só que um mercado inteiro passou à ilegalidade e, com isso, inúmeras pessoas, com seus hábitos e negócios, tornaram-se criminosas. O mercado de drogas não foi eliminado por decreto nem por repressão. Assim, o que financia o tráfico de drogas não é o usuário, mas a proibição.
REFORMAR OU OUSAR?
Diante da constatação de que as guerras às drogas não alcançou seu objetivo declarado, especialistas, autoridades e personalidades publicas passaram a defender a reforma do proibicionismo. Segundo o economista Milton Friedman e alguns editores da revista The Economist tomaram argumentos utilitaristas para afirmar que o uso de drogas não era o ideal, mas que a proibição era pior pelos custos que gerava (em violência, dinheiro e violação de liberdades individuais). A ilegalidade apenas produzia criminalidade e descontrole (de uso e de mercado). Então, a melhor maneira de controlar as drogas seria legalizando-as. Com isso o grande mercado ilícito seria suprimido, empresas legais poderiam se dedicar ao negocio, o direito dos consumidores seria respeitado e os impostos gerados com a tributação serviriam para financiar campanhas de conscientização contra drogas e para tratamento de adictos.
"DIPLOMATIQUE – Eu ouvi alguns depoimentos de pessoas dizendo que na favela o traficante consegue, de certa forma, evitar a violência da policia e que isso é bom para comunidade. O que você acha?
CACO BARCELLOS – Eu discordo. Acho que o traficante reproduz a violência que aprendeu nas mãos da policia, como sua vítima. Afinal, em algum momento ele foi torturado e preso. E se teve a sorte de não morrer até os 20 anos, virou um líder ou cresceu na hierarquia do tráfico e reproduziu aquilo que aprendeu. A tortura mostrada pelo filme Tropa de Elite é muito semelhante àquela que o Esquadrão da Morte da Polícia Civil do Rio de Janeiro já praticava nos anos 1970, quando foi denunciado pelo deputado Hélio Bicudo. Primeiro vem a tortura, depois a execução. Os métodos são muitos parecidos e, infelizmente, o matador quase sempre é vinculado ou próximo ao estado. São ex-policiais ou agentes polivalentes, que usam uma farda durante parte do dia e praticam atividades oficiais no restante do tempo. Os matadores antes estavam concentrados nesse segmento paramilitar e eram tidos como inimigos das comunidades pobres. Quando eram presos, também não sobreviviam muito tempo nas cadeias. Com a evolução do crime, com a banalização da violência, é muito simples observar que eles hoje estão presentes em todas as cidades. Eu me lembro do tempo em que eu entrava os presídios de São Paulo e de alguns outros estados brasileiros e eles estavam confinados, assim como os religiosos, sobretudo os evangélicos, e os estupradores. Os evangélicos porque gostavam de ficar separados dos demais. Is estupradores porque não iriam sobreviver, seriam linchados. Da mesma forma ocorria com os matadores. De repente eles tornaram-se uma grande força nos presídios e estão na direção das organizações criminosas, tanto
“Os traficantes com quem eu conversei eram todos filhos de empregadas domésticas. Se queixavam dos bacanas do asfalto terem duas mães e eles, nenhuma.”
AUMENTA O CONSUMO. O PROIBICIONISMO FALHOU.
O atual modelo proibicionista de controle de drogas falhou. Não há mais como negar essa realidade, sendo necessário pensar em alternativas.
A opção pela repressão penal sobre as drogas ilícitas se mostrou cara e ineficaz, no sentido de não produzir seus efeitos previstos na proteção da saúde pública, pois a produção é atuante, e o consumo não foi controlado, as drogas estão mais potentes e as penitenciarias cheias de pequenos traficantes de drogas. O mercado ilícito é altamente lucrativo e o tráfico movimenta bilhões de dólares em todo o mundo.
Em recente pesquisa realizada em processos criminais por trafico de drogas, no Rio de Janeiro e em Brasília, foi demonstrado que o sistema penal é seletivo, e os varejistas, que vendem pequenas quantidades de drogas, constituem 60% dos condenados, tendo sido presos sozinhos e desarmados e recebido severas penas privativas de liberdade. Apesar de, atualmente, os condenados por tráfico de drogas serem a segunda maior incidência no sistema penitenciário brasileiro, só perdendo para os crimes patrimoniais, tal situação não acarreta nenhuma alteração na oferta ou no consumo de substancias ilícitas.
Porém, apesar do fracasso, ainda não há consenso sobre as alternativas. Não obstante a manutenção dos tratados internacionais de drogas, diversos países já adotam política diversificadas ás Nações Unidas, e a ultima reunião do Comitê de Drogas Narcóticas da ONU (CND) demonstrou essa falta de consenso.
Dentre as alternativas que vêm sendo discutidas na esfera internacional estão a despenalização e a descriminalização do uso e da posse de drogas.
A despenalização da posse de drogas para uso próprio deve ser compreendida como uma estratégia limitada de oposição ao proibicionismo clássico, pois mantém a conduta como crime previsto na lei, mas exclui a imposição da pena de prisão.
Assim, enquanto a descriminalização significa a retirada de determinada conduta do rol dos crimes, por lei ou interpretação jurisprudencial, a despenalização exclui tão somente a aplicação da pena privativa de liberdade, mantendo a proibição e a conduta como crime. Portanto, haverá despenalização quando a conduta, embora típica, deixar de ser apenada com pena de prisão, ou quando esta for substituída por medidas restritivas de direito.
Essa estratégia reduz o alcance da repressão penal e se baseia nas considerações criticas sobre o fracasso da prisão, sua inutilidade e na necessidade de se adotar medidas mais humanitárias com relação ao usuário. Do ponto de vista pragmático, justifica-se por razoes econômicas, como a desnecessidade de encarceramento do usuário e o alto custo da prisão (tanto econômico quanto humanitário). Atuando de forma setorial, prevê para o usuário uma resposta penal menos irracional, e vem sendo adotada pela maioria dos países Europeus. Na prática, significa uma moderação de proibicionismo radical, mas sem contestar abertamente os tratados internacionais contra drogas.
DANOS MENORES
Há algumas divergências sobre quais tipos de drogas devem ser descriminalizadas. As opiniões convergem pela legalização da cannabis, considerada uma droga “leve”, justificada pela generalização do seu uso e aceitação social: reduzido risco de dependência; indicações terapêuticas; menor danosidade se comparada às drogas lícitas, como tabaco e álcool; e necessidade de separação do usuário de cannabis do mercado ilícito
A descriminalização da maconha é uma hipótese a ser estudada como medida intermediaria ampla, que pode ter impacto positivo na redução da repressão penal, em busca de uma intervenção de saúde publica, já que é hoje a droga ilícita mais consumida no Brasil. Mesmo sem questionar o sistema em si, seria uma medida setorial de relevante impacto na redução dos efeitos perversos do modelo atual. Uma eventual descriminalização da maconha e a regulamentação de sua venda facilitariam, inclusive, a adoção de programas de redução de danos.
Fonte: LE MONDE diplomatique Brasil – Ano 3 / Número 26 / 28 de setembro de 2009
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