Por, João Augusto Cardoso
Ainda que a ética seja estudada há mais de dois mil anos, quer a ética deontológica, a ética religiosa, a ética das virtudes de Platão, a ética aristotélica ou mesmo a ética cristã, nunca se falou ou se escreveu tanto sobre ela quanto nas últimas décadas, sobretudo pela percepção mais apurada da natureza e do mundo pela contemporaneidade do animal homem, bem como pela observação mais atenta da relação entre estes e entre si. E é desta relação e conexão existente entre o Homem, a natureza, o mundo e o universo, que concebemos a teoria da ética quântica, que pela primeira vez é abordada através do presente artigo.
Ao trilharmos os caminhos da ciência e da filosofia, se já não é tão fácil definir ética, Álvaro L. M. Valls nos dá esta assertiva prelecionando em seu livro “O que é ética?” (1996), que “a ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o que são, mas que não são fáceis de se explicar”, mais difícil ainda seria definir ética quântica, porquanto o presente ensaio não pretende dar respostas prontas, mesmo porque, não existem. Porém, a intenção é levar o leitor aos conhecimentos que propiciam o estudo e a reflexão sobre esta nova teoria, e não levar os conhecimentos prontos ao leitor.
Seria uma erronia filosófica muito grande julgar que para se entender esta nova teoria seriam necessários estudos preliminares de física quântica, que em contraponto à física clássica, ela é o reino de todas as possibilidades e potencialidades, ao passo que esta última, a clássica, é reino das ciências e dos resultados exatos. Assim, a teoria da mecânica newtoniana (mecânica clássica), ou seja, numa correlação análoga com a ética clássica, abre espaço para um estudo mais profundo: a mecânica ondulatória (mecânica quântica), que nos propicia uma nova visão da ética, qual seja, a ética quântica, que surge a partir da investigação dos fenômenos ocorrentes das mais ínfimas e discretas ações e pensamentos humanos.
Ainda que não haja a intenção de transmitir conhecimentos prontos, clássicos, cremos ser necessário aproximar o leitor de alguns conceitos, para uma melhor compreensão da teoria quântica da ética. Assim, no Dicionário Oxford de Filosofia (1997), Simon Blackburn nos dá a seguinte definição: “Ética é o estudo dos conceitos envolvidos no raciocínio prático: o bem, a ação correta, o dever, a obrigação, a virtude, a liberdade, a racionalidade, a escolha”.
Segundo Álvaro Valls, nos diversos diálogos de Platão (428-348 a.C.), ele vai organizando um quadro geral das diferentes virtudes, elencando as quatro principais: Justiça (dike), “a virtude geral, que ordena e harmoniza, e assim nos assemelha ao invisível, divino, imortal e sábio”. Prudência ou Sabedoria (frônesis ou sofía) “é a virtude própria da alma racional, a racionalidade como o divino no homem: orientar-se para os bens divinos. Esta virtude, que para Platão equivale à vida filosófica como uma música mais elevada, é aquela que põe ordem, também, nos nossos pensamentos”. Fortaleza ou Valor (andréia) “é a que faz com que as paixões mais nobres predominem, e que o prazer se subordine ao dever”. E a quarta e última, Temperança (sofrosine) “é a virtude da serenidade, equivalente ao autodomínio, à harmonia individual”.
Assim, Valls continua prelecionando, que “o que mais caracteriza a ética platônica é a idéia do Sumo Bem, da vida divina, da equivalência de contemplação filosófica e virtude, e da virtude como ordem e harmonia universal. A distância entre as virtudes intelectuais e morais se assemelha muito à pratica teórica”.
Aristóteles (384-322 a.C.) nos ensina em sua obra “Ética à Nicomaco”, que: “No que diz respeito à justiça e à injustiça devemos indagar com que espécie de ações se relacionam elas, que espécie de meio-termo é a justiça, e entre que extremos o ato justo é o meio-termo.” Considerando que a justiça é uma das virtudes éticas de Platão, Aristóteles escreve que “Segundo a opinião geral, a justiça é aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo; e de modo análogo, a injustiça é a disposição que leva as pessoas a agir injustamente e a desejar o que é injusto”. Este grande filósofo e pensador também escreveu: "O objetivo da ação moral é a justiça, assim como, a verdade é o objetivo da ação intelectual."
Em seu livro Ética é Justiça (2000), Olinto Pegoraro diz que “para Aristóteles, cidadão justo é aquele que cumpre a lei e respeita a igualdade entre os outros. A justiça é a virtude da cidadania, na qual, cada um, por sua própria formação trata todos igualmente”. Assim, Pegoraro afirma que “se praticássemos essa virtude os tribunais teriam muito pouco a fazer. Se eles existem e são tão solicitados, é porque nós não estamos praticando a virtude da justiça, da cidadania”.
Após referenciar algumas virtudes que norteiam a ética e antes de conceituarmos ética quântica, lembramos que para São Thomas de Aquino (1225-1274), “a justiça engloba simultaneamente todas as virtudes; ela é a virtude maximamente perfeita”, podemos dizer que ética é também um conjunto da prática dessas virtudes, e como escreveu Aristóteles, “a felicidade consiste em fazer o bem”.
Dentro desta difícil missão de conceituar, a primeira idéia que nos surge é que a teoria da ética quântica se fundamenta na “quantificação da ética”, que é a transição do conceito clássico e contínuo para o conceito quântico, em que as mais simples ações humanas representam a somatória de um conjunto de subações humanas ou naturais. Considerando que o homem é o conjunto de suas escolhas, podemos afirmar que a somatória de suas subações e de seus pensamentos mais íntimos podem afetar o meio em que vivemos, podendo acionar uma avalancha de acontecimentos no micro e no macrocosmo, pois há uma conexão e relação entre tudo e entre todos.
Ainda que não seja de fácil entendimento, os iniciados no conhecimento têm uma consciência mais ampla da realidade, do que é real. O Prof. Dr. José Pedro Andreeta e sua esposa, a Dra. Maria de Lourdes, citam em seu livro “Quem se atreve a ter certeza? A realidade quântica e a filosofia” (2004), que “na visão de Walter Heitler, o mundo quântico era um todo indivisível. Ele afirmava que ‘mesmo que pareça óbvio que existam partes e contornos, a realidade é um todo inseparável’.”
Segundo o físico Werner Karl Heisenberg, prêmio Nobel de física em 1932, um dos criadores da física quântica, “a nossa realidade é meramente semi-real e adquire o status de uma realidade completa somente durante o ato da observação”. Heisenberg disse que “nos experimentos sobre os eventos atômicos, nós trabalhamos com coisas e fatos, com fenômenos que são tão reais como todos os fenômenos da vida diária. Mas os átomos e as partículas elementares por si mesmos não são reais: pertencem mais a um mundo de potencialidades ou possibilidades do que das coisas e dos fatos”.
Partindo desses princípios quânticos, a ética quântica consiste nas mínimas ações ou mesmo nos mais minúsculos fragmentos de nossos pensamentos, ou seja, devemos reaprender e registrar a ética dentro de nós, em cada um de nossos pensamentos, em cada uma de nossas células, e nos policiar para praticá-la de dentro para fora. Um bom início para esta prática é sermos éticos para conosco mesmos, pois se assim o formos, seremos éticos para com o universo. Aleksei Konstantinovitch Tolstoi (1817-1875), nos ensina que "Não adianta cada um pensar em mudar a humanidade sem pensar em mudar a si mesmo".
No campo quântico, “a consciência é a base do Ser”, e esta consciência é seguramente cósmica. Sendo assim, quem alcançou e reconheceu a verdade não tem nenhum fundamento que justifique a prática da injustiça, pois praticá-la em detrimento a outrem ou ao meio, é praticá-la contra si mesmo. Ao compreender e praticar este princípio, alçará a liberdade na plenitude do exercício de todas as possibilidades e potencialidades, e conhecerá e viverá a paz.
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* João Augusto Cardoso é professor de ensino superior na Universidade Paulista, campus de Limeira, e advogado. Mestre em Direito (UNIMEP) e Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA). Artigo concluído em 25/06/2006.
Por, Caio Cesar de Aquino
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